Faço parte daquele
grupo de pessoas que ficam dias sem ligar a televisão. E, como meus amigos mais
próximos sabem disso, volta e meia um deles me telefona pra avisar que, em tal
dia e canal, vai passar um filme ou uma reportagem que eu gostaria de ver.
Num dia qualquer da
semana passada, liguei a TV e a deixei sem som, enquanto aguardava o início de
um programa a que eu pretendia assistir. Assim que aperto o botão power do controle
remoto, surge na tela a imagem de uma charrete puxada por um cavalo branco que
seguia vagarosamente por um caminho de terra. Ao lado do cocheiro, uma criança
radiante de felicidade acenava para alguém, como se estivesse partindo para uma
viagem ao mundo de sonhos. E talvez estivesse.
Sucessivas cenas de uma
paisagem campesina dão a entender que se trata de uma reportagem sobre turismo
rural. Não me interesso em aumentar o volume da TV para ouvir o que estão
dizendo. Apenas emolduro o instante do quadro da charrete e o andar vagaroso do
cavalo, como se quisesse resgatar esse quadro da parede da lembrança de tempos
sem pressa e sem tanta tecnologia.
Num passado bem
recente, mas que parece muito, muito distante, os tempos andavam devagar. Até
que o homem, na ânsia de ser senhor do tempo, inventou a velocidade e tornou-se
escravo dela. Hoje vivemos em compasso de urgência. Tudo tem que ser veloz,
muito veloz. Temos que ser velozes (e furiosos?). Tudo tem que ficar pronto
para ontem. O prazer da espera tornou-se a tortura do atraso. Não temos mais
paciência para esperar por nada. Temos pressa de chegar. Aonde mesmo?
Um pensamento com
cheiro de terra molhada pela chuva exala da minha memória, desenha-se nas cores
de um arco-íris e flutua ao lado da criança que acena de cima de uma charrete.
Talvez a menina desembarque no meio do caminho, quando o cavalo branco parar diante
de um vasto campo verde. Lá, quem sabe, ainda esteja um homem de rosto sereno,
olhando, embevecido, aquela paisagem. Talvez ela pergunte ao homem se aquela
vegetação é grama e por que é mais alta que a grama do jardim do condomínio
onde ela mora, e se não está na hora de cortar, e quem a plantou ali onde não
mora ninguém, e por quê? Talvez o homem que nunca morou num condomínio responda
alegremente que aquele capim verde é pão. Pão?! A menina da charrete perguntará
com espanto. Ah, tio, pão a gente compra na padaria ou no supermercado. Não
estou vendo nenhum pão no meio dessa grama alta! É que o pão ainda não está
maduro, menina. E a criança que tem pressa lhe pergunta se essa coisa de ficar
maduro vai demorar muito tempo. O homem que traz no semblante a serena
sabedoria de quem já plantou, colheu e amassou o pão que levou à mesa de sua
família durante uma vida inteira, calmamente, olha para o trigal ainda verde e,
depois, com a voz sussurrada de quem vai contar um valioso segredo, volta-se
para a menina e diz: o tempo necessário.
Quem sabe a menina não
lhe dê ouvidos e siga adiante com pressa. Quem sabe ela queira saber que
história é essa de tempo necessário e o que acontece enquanto se espera que ele
passe. Quem sabe, depois de uma longa e lenta conversa entremeada de espanto e
alegria, a menina queira voltar ali para ouvir a canção do vento balançando o
trigal dourado, anunciando que o trigo está maduro, que os grãos podem ser
colhidos e que, só depois disso, serão moídos e transformados em farinha, que
se transformará em pão, biscoitos, bolos, massas e muitos outros alimentos –
que não nascem prontos na padaria nem nos supermercados, nem nos restaurantes.
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