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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Divagando



Faço parte daquele grupo de pessoas que ficam dias sem ligar a televisão. E, como meus amigos mais próximos sabem disso, volta e meia um deles me telefona pra avisar que, em tal dia e canal, vai passar um filme ou uma reportagem que eu gostaria de ver.

Num dia qualquer da semana passada, liguei a TV e a deixei sem som, enquanto aguardava o início de um programa a que eu pretendia assistir. Assim que aperto o botão power do controle remoto, surge na tela a imagem de uma charrete puxada por um cavalo branco que seguia vagarosamente por um caminho de terra. Ao lado do cocheiro, uma criança radiante de felicidade acenava para alguém, como se estivesse partindo para uma viagem ao mundo de sonhos. E talvez estivesse. 

Sucessivas cenas de uma paisagem campesina dão a entender que se trata de uma reportagem sobre turismo rural. Não me interesso em aumentar o volume da TV para ouvir o que estão dizendo. Apenas emolduro o instante do quadro da charrete e o andar vagaroso do cavalo, como se quisesse resgatar esse quadro da parede da lembrança de tempos sem pressa e sem tanta tecnologia.

Num passado bem recente, mas que parece muito, muito distante, os tempos andavam devagar. Até que o homem, na ânsia de ser senhor do tempo, inventou a velocidade e tornou-se escravo dela. Hoje vivemos em compasso de urgência. Tudo tem que ser veloz, muito veloz. Temos que ser velozes (e furiosos?). Tudo tem que ficar pronto para ontem. O prazer da espera tornou-se a tortura do atraso. Não temos mais paciência para esperar por nada. Temos pressa de chegar. Aonde mesmo?

Um pensamento com cheiro de terra molhada pela chuva exala da minha memória, desenha-se nas cores de um arco-íris e flutua ao lado da criança que acena de cima de uma charrete. Talvez a menina desembarque no meio do caminho, quando o cavalo branco parar diante de um vasto campo verde. Lá, quem sabe, ainda esteja um homem de rosto sereno, olhando, embevecido, aquela paisagem. Talvez ela pergunte ao homem se aquela vegetação é grama e por que é mais alta que a grama do jardim do condomínio onde ela mora, e se não está na hora de cortar, e quem a plantou ali onde não mora ninguém, e por quê? Talvez o homem que nunca morou num condomínio responda alegremente que aquele capim verde é pão. Pão?! A menina da charrete perguntará com espanto. Ah, tio, pão a gente compra na padaria ou no supermercado. Não estou vendo nenhum pão no meio dessa grama alta! É que o pão ainda não está maduro, menina. E a criança que tem pressa lhe pergunta se essa coisa de ficar maduro vai demorar muito tempo. O homem que traz no semblante a serena sabedoria de quem já plantou, colheu e amassou o pão que levou à mesa de sua família durante uma vida inteira, calmamente, olha para o trigal ainda verde e, depois, com a voz sussurrada de quem vai contar um valioso segredo, volta-se para a menina e diz: o tempo necessário.
 
Quem sabe a menina não lhe dê ouvidos e siga adiante com pressa. Quem sabe ela queira saber que história é essa de tempo necessário e o que acontece enquanto se espera que ele passe. Quem sabe, depois de uma longa e lenta conversa entremeada de espanto e alegria, a menina queira voltar ali para ouvir a canção do vento balançando o trigal dourado, anunciando que o trigo está maduro, que os grãos podem ser colhidos e que, só depois disso, serão moídos e transformados em farinha, que se transformará em pão, biscoitos, bolos, massas e muitos outros alimentos – que não nascem prontos na padaria nem nos supermercados, nem nos restaurantes.

 Num passado bem recente, mas que parece muito, muito distante, os tempos andavam devagar. Mas o homem quis acelerar o tempo porque tinha pressa de chegar ao futuro. A pressa é inimiga natural da paciência. Uma é ávida, gananciosa e predadora, acelera a maturação dos frutos para devorá-los rapidamente. A outra é sábia, conhece os segredos do prazer e da magia que brotam do espaço-tempo entre a semente e a flor. Mas temos pressa demais e paciência nenhuma. E, por isso mesmo, estamos condenados ao atropelamento das horas, dias, meses, anos. Estamos no olho do furacão, sendo tragados pela fúria de uma pressa canibal que nos devora o melhor da vida. A vida inteira acelerada, vivida pela metade. Ou bem menos que isso. A troco de que mesmo?


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