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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O valor das aparências





A aparência e a essência. A embalagem e o conteúdo. O que é belo? O que é feio? O que é ser alguém belo ou feio? Na foto, no espelho ou no olhar do outro, quem é belo? quem é feio? 

Inteligência, caráter, sensibilidade e sabedoria  posam para fotos? Ou só podem ser fotografados por quem tem olhos de ver o que o espelho e as lentes de uma câmera não captam? Que tipo de fotógrafo somos nós? O que revelamos de nós mesmos ao fotografarmos o outro?
  
São antigos e diários questionamentos meus e, por certo, de tantas outras pessoas também. Voltei a refletir sobre essas questões ao ler, hoje ao meio-dia, uma reportagem no site do Terra. Trata-se de um olhar sobre o olhar do povo britânico. E, no Brasil, é diferente? Isso só ocorre nas redes sociais?

Eis o que diz a reportagem:




* “Ser inteligente não importa tanto quanto ser bonito no Facebook, aponta pesquisa com britânicos

Para usuários do Facebook no Reino Unido, sair bem na foto é mais importante do que parecer inteligente, diz pesquisa conduzida pela Intel na Europa, informa o site Daily Mail.
De acordo com o estudo da empresa, 56% dos entrevistados britânicos admitiram que se preocupam mais com a sua aparência física do que com sua desenvoltura intelectual no site de relacionamentos. O perfil, aponta o estudo, contraria outros países europeus.

A preocupação com a aparência leva 46% das mulheres e 20% dos homens entrevistados a publicar apenas fotos que os "favorecem" no site de relacionamento, mesmo que eventualmente elas não reflitam a realidade, diz o relatório. O britânico também mente para parecer mais inteligente, porém se esforça menos para impressionar do que nas fotografias, com 19% de informações falsas nos perfis das mulheres contra 12% dos homens.

"Novas tecnologias tendem a aumentar as contradições no nosso comportamento. Nós queremos tanto criar uma boa impressão nos nossos amigos quanto reclamar do excesso de informações (fúteis) nas redes. E leva tempo para equilibrar as coisas", opina a diretora de Pesquisa de Interação e Experiência da Intel, Genevieve Bell.
De acordo com a pesquisa, 59% dos homens e 56% das mulheres mentem no perfil para impressionar outros. Encontrar uma amizade ou um romance leva 40% dos homens e 51% das mulheres a apelarem para inverdades.

O estudo também indica que 89% dos usuários acreditam que os pais deveriam ensinar os filhos a etiqueta online, enquanto 45% das mulheres, e 34% dos homens admitirem que mentem no Facebook para encobrir suas inseguranças.”


* Texto retirado do site do Terra em 17/08/2012
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Invisíveis esquinas do tempo



Meio-dia. Doze horas. Intervalo. Hora do almoço. Hora de parar um pouco para alguns, de andar mais depressa para outros. Hora de fazer hora ou, simplesmente, hora de planejar as próximas horas. Espaço no tempo, breve tempo cruzando o espaço apertado ou vazio da rotina.
O operário da obra da esquina parou para almoçar. Em que pensa ele, enquanto saboreia honestamente o feijão e arroz de cada meio-dia? O velho maltrapilho e sujo continua lá, à porta do mercado. Um tom suplicante de fome e tédio ecoa em sua mão estendida. Em vão, vai tentando contar sua história aos que esbarram nele com as mãos surdas, cheias de sacolas de compras, e o olhar mudo de quem nem o vê.

 Na próxima esquina, uma criança dormita ao colo da artesã indígena, sentada sobre as pedras frias da calçada. Dorme, menino, dorme. Tua mãe acordada embala sonhos desnutridos. Talvez mãe e filho sonhem que ainda estão na mata, alimentando-se da alegria dos frutos da terra, banhando-se nus nas águas pagãs e cristalinas dos riachos, como faziam seus ancestrais. Mas, há tempos, alcançou-os a estupidez e a ambição predadora do homem civilizado e transformou-lhes os sonhos tribais em pesadelos urbanos. Em nome do progresso, caciques brancos devastaram a mata e poluíram os rios. Covardemente arrancaram os filhos da selva do regaço generoso da Mãe Natureza e os transplantaram ali, numa esquina qualquer do descaso. Dorme, menino, dorme. Assim e apenas assim, ainda podes sonhar com os sonhos que te roubaram.
Ao acaso da própria sorte, em outra esquina, está a velha prostituta da rua central. Na hora do almoço, ela se serve, por quinze reais, a um outro infeliz que deixou de almoçar para levá-la a um quarto fétido nos fundos de um prédio semiabandonado. Bem perto dali, em qualquer esquina, na via pública, à beira da estrada ou na boca dos morros, adolescentes sem perspectivas de futuro vendem drogas ou vendem o corpo a qualquer um que possa pagá-los. Não importa a origem do dinheiro. Pode vir de mãos calejadas, do furto inconsequente ou do latrocínio. Pode vir das mãos lisas que ajeitam a gravata italiana no colarinho branco, as mesmas mãos cheias de dedos que manipulam contas de muitos dígitos em paraísos fiscais. Na banca de jornais de outra esquina, mulheres siliconadas quase ou totalmente nuas estampam capas de revistas. Jornais exibem, em páginas coloridas, manchetes de violência criminal. Corrupção ativa e passiva, podridão moral das altas esferas ao submundo do crime e escândalos na política nacional e internacional deixaram de causar o espanto das manchetes, viraram rotina. Há sempre quem as leia e faça cara de indignação. Mas, no dia seguinte, o jornal vai para o lixo ou vira papel para embrulhar peixe na feira. Manchetes são descartáveis.
Faz tempo inventaram coisas descartáveis. A maioria nem é biodegradável. E agora importaram o verbo deletar. Gente também virou coisa deletável. Amigo - a espécie rara cultivada durante anos - virou mera lista de contatos do Orkut, Facebook, MSN e similares. Sim, muitos contatos são realmente de amigos, familiares, companheiros de atividades culturais ou profissionais. Mas, agora, chama-se também de amigo a qualquer nome - ilustrado por uma foto e um perfil nem sempre verdadeiros - que qualquer um adiciona à sua lista de centenas de “amigos” nas redes sociais. Contatos imediatos. Contatos superficiais em que amor e amigo tornaram-se palavras vazias de sentimentos verdadeiros. Chamam também de amor ao que pode ser apenas um relacionamento fortuito entre um homem e uma mulher. Tudo pode começar com uma rápida investida visual num barzinho, numa balada, na fila do restaurante ou numa sala de bate-papo virtual em pleno meio-dia. E tudo pode acabar junto com a tarde ou noite de prazer. Sexo pelo sexo. Momentos de prazer e nada mais. Muitos homens sempre fizeram isso. E agora muitas mulheres também o fazem, pois está na moda ser uma mulher “bem-resolvida”. Amor e amizade podem ser descartáveis. Viraram palavras ocas. Sensações efêmeras. Nomes deletáveis. Simples assim.
Meio-dia. Hora do almoço. Misturando-se aos sabores que exalam das cozinhas dos restaurantes, há um cheiro sombrio de decadência humana rondando pelas esquinas invisíveis dos tempos, em plena luz do meio-dia. Mas isso embrulha o estômago. Mais agradável olhar vitrines, entregar-se ao apelo do consumo, coisificar-se. Comprar ideias e conceitos e vestir-se inteiramente com eles, só porque estão na moda. 

Meio-dia. Hora do almoço. Lá em outra esquina, o som melancólico de uma flauta se mescla ao canto de aves que não conheço. Seriam os pássaros da mata dos ancestrais da artesã indígena? Um casal de velhos caminha de mãos dadas e sem pressa, admirando uma revoada de pombos e esbarrando na multidão que não os vê. Ele a chama de querida, e ela o trata por meu bem. Estão fora de moda. E são bem-resolvidos. Mas isso e outros tantos outros assuntos não serão manchete no jornal de amanhã. Possivelmente, às 11 horas e 30 minutos, Querida e Meu Bem almoçarão tranquilos, enquanto o restaurante ainda estará quase vazio. E, logo depois, talvez eu os reencontre, caminhando sem pressa e de mãos dadas, seguindo o som aconchegante de uma flauta, em pleno meio-dia.



domingo, 12 de agosto de 2012

Pai




São tantas as definições fora da simples palavra-dicionário. Há o pai presente, o omisso, o desconhecido. Há o pai dos sonhos, pai amigo, pai-avô, pai super-herói... Há pai de todo tipo. Cada filho ou filha tem sua definição para o pai que tem, para o pai que não teve, para o pai que desejaria ter, para o pai que sempre terá.

 O meu pai já partiu desse mundo, mas nunca partiu de mim. Ainda na adolescência, escrevi uns versos para defini-lo. De tempos em tempos, até lapido um verso ou outro, mudo o estilo da escrita, mas a essência permanece a mesma. Se hoje meu pai estivesse aqui, eu leria outra vez esse poema para ele. E depois conversaríamos longamente sobre as histórias das entrelinhas. E eu me emocionaria outra vez ao sentir a doce lágrima brotando daquele meigo olhar, orvalhando o riso sereno do seu semblante e envolvendo meu ser inteiro com seu amor incondicional.

E porque meu pai nunca partiu de mim, releio o poema outra vez. De alguma forma, ele sempre me escuta quando ouço em minha lembrança a sinfonia do vento embalando a dança dos trigais dourados. Outras vezes, ele me ouve quando olho as estrelas e a Lua, silenciosamente, como ele e eu as comtemplávamos juntos nas noites e madrugadas da minha infância...


 viagem

                                        ao meu pai Aristides

tantas vezes embarco no trem da lembrança
desembarco na estação da infância
transbordo-me numa saudade insólita
vera vontade de ser em tudo
apenas uma criança


de muito no mundo
melhor seria
nunca ter
tanta ciência

ah! embarcar no trem da lembrança
fugir do tempo-vento-desalento
rolar na grama do tempo antigo
adormecer em teus braços cansados
fitar em teu rosto fatigado
a paz do teu silêncio amigo

correr pelas manhãs tão madrugadas
sentindo em minha mão pequena
a tua mão áspera e calejada
caminhar nos caminhos antes do sol
pisando a erva orvalhada
escutar teus passos descalços
traçando um digno destino
no sonho suado de cada jornada

tantas vezes embarco no trem da lembrança
tento seguir-te na minha viagem
busco tua força
tua doce alegria
tua sempre-coragem
de renascer a cada dia

aprendo a decifrar tuas humildes palavras
tão repletas de sabedoria
ah! tanto eu queria seguir teu caminho
ser um pouco a tua bagagem
mas perdoa
meus tropeços
meus espinhos
se eu me perco dos teus rastros
quando embarco sem destino
no barco louco dos meus desatinos


*Versos do poema Viagem - publicado, originalmente, em 1985 e ilustrado em cartão/poema em 1996.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

silêncio dos lírios













o que me dizem
os lírios do campo de outrora?
não sei

como poderia sabê-los?
não os vi
nem reguei
nem sequer teci as vestes do rei
que jamais se vestiu como um deles

 fascina-me no entanto
o falar das flores do agora
flores sem nome e sem glória
despertas no tempo em que me busco insone

fascina-me portanto
a inquietude noturna dos lírios da minha sala
que anonimamente me ensinam
a entender-me na historia que ouvem
escutando os turvos silêncios meus
 *Lechuza Rosa L Leidens K
só pra dizer que falei das flores
poemas inéditos

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Divagando



Faço parte daquele grupo de pessoas que ficam dias sem ligar a televisão. E, como meus amigos mais próximos sabem disso, volta e meia um deles me telefona pra avisar que, em tal dia e canal, vai passar um filme ou uma reportagem que eu gostaria de ver.

Num dia qualquer da semana passada, liguei a TV e a deixei sem som, enquanto aguardava o início de um programa a que eu pretendia assistir. Assim que aperto o botão power do controle remoto, surge na tela a imagem de uma charrete puxada por um cavalo branco que seguia vagarosamente por um caminho de terra. Ao lado do cocheiro, uma criança radiante de felicidade acenava para alguém, como se estivesse partindo para uma viagem ao mundo de sonhos. E talvez estivesse. 

Sucessivas cenas de uma paisagem campesina dão a entender que se trata de uma reportagem sobre turismo rural. Não me interesso em aumentar o volume da TV para ouvir o que estão dizendo. Apenas emolduro o instante do quadro da charrete e o andar vagaroso do cavalo, como se quisesse resgatar esse quadro da parede da lembrança de tempos sem pressa e sem tanta tecnologia.

Num passado bem recente, mas que parece muito, muito distante, os tempos andavam devagar. Até que o homem, na ânsia de ser senhor do tempo, inventou a velocidade e tornou-se escravo dela. Hoje vivemos em compasso de urgência. Tudo tem que ser veloz, muito veloz. Temos que ser velozes (e furiosos?). Tudo tem que ficar pronto para ontem. O prazer da espera tornou-se a tortura do atraso. Não temos mais paciência para esperar por nada. Temos pressa de chegar. Aonde mesmo?

Um pensamento com cheiro de terra molhada pela chuva exala da minha memória, desenha-se nas cores de um arco-íris e flutua ao lado da criança que acena de cima de uma charrete. Talvez a menina desembarque no meio do caminho, quando o cavalo branco parar diante de um vasto campo verde. Lá, quem sabe, ainda esteja um homem de rosto sereno, olhando, embevecido, aquela paisagem. Talvez ela pergunte ao homem se aquela vegetação é grama e por que é mais alta que a grama do jardim do condomínio onde ela mora, e se não está na hora de cortar, e quem a plantou ali onde não mora ninguém, e por quê? Talvez o homem que nunca morou num condomínio responda alegremente que aquele capim verde é pão. Pão?! A menina da charrete perguntará com espanto. Ah, tio, pão a gente compra na padaria ou no supermercado. Não estou vendo nenhum pão no meio dessa grama alta! É que o pão ainda não está maduro, menina. E a criança que tem pressa lhe pergunta se essa coisa de ficar maduro vai demorar muito tempo. O homem que traz no semblante a serena sabedoria de quem já plantou, colheu e amassou o pão que levou à mesa de sua família durante uma vida inteira, calmamente, olha para o trigal ainda verde e, depois, com a voz sussurrada de quem vai contar um valioso segredo, volta-se para a menina e diz: o tempo necessário.
 
Quem sabe a menina não lhe dê ouvidos e siga adiante com pressa. Quem sabe ela queira saber que história é essa de tempo necessário e o que acontece enquanto se espera que ele passe. Quem sabe, depois de uma longa e lenta conversa entremeada de espanto e alegria, a menina queira voltar ali para ouvir a canção do vento balançando o trigal dourado, anunciando que o trigo está maduro, que os grãos podem ser colhidos e que, só depois disso, serão moídos e transformados em farinha, que se transformará em pão, biscoitos, bolos, massas e muitos outros alimentos – que não nascem prontos na padaria nem nos supermercados, nem nos restaurantes.

 Num passado bem recente, mas que parece muito, muito distante, os tempos andavam devagar. Mas o homem quis acelerar o tempo porque tinha pressa de chegar ao futuro. A pressa é inimiga natural da paciência. Uma é ávida, gananciosa e predadora, acelera a maturação dos frutos para devorá-los rapidamente. A outra é sábia, conhece os segredos do prazer e da magia que brotam do espaço-tempo entre a semente e a flor. Mas temos pressa demais e paciência nenhuma. E, por isso mesmo, estamos condenados ao atropelamento das horas, dias, meses, anos. Estamos no olho do furacão, sendo tragados pela fúria de uma pressa canibal que nos devora o melhor da vida. A vida inteira acelerada, vivida pela metade. Ou bem menos que isso. A troco de que mesmo?


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sombra do branco




Na tela do computador, há tempos me assombra a sombra de uma folha de papel em branco. Pensamentos soltos perambulam pela página vazia. Alguns a tocam, mas logo levantam voo. Exaustos de planar sobre a areia movediça das reticências, para onde irão?
Faz frio. Chuva fina da manhã deixou-me um olá sussurrado em gotículas no vidro da janela do meu quarto. Efeito orvalho na flor de pétalas transparentes. As flores de vidro não sentem frio. Ou sentem? Por onde vagueia o pensamento das flores enquanto o vento gelado balança o sono das hastes que embalam seus sonhos?
Pequenas margaridas plantadas em um vaso de plástico pediram-me que as trouxesse para minha casa. No último sábado, meu pensamento esbarrou com o pensamento delas enquanto eu caminhava distraída em meio às tendas do mercado.
Fascina-me o mistério do silêncio dos lírios. Encanta-me a elegância das tulipas. No entanto, as pequeninas e singelas margaridas sabem que lhes devoto um amor singular. E, talvez, pelo pacto secreto desse afeto implícito, elas me encontraram no sábado porque desejavam estar aqui, no árido momento da folha em branco. Margaridas são como a música que acolhe os pensamentos que as palavras não capturam...