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quarta-feira, 31 de outubro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
Sentir-pensar
Para o
pensador-poeta, não é necessário que haja um acontecimento trágico para
suscitar-lhe a reflexão. Nem lhe são necessários templos institucionalizados,
nem datas convencionadas para celebrar a vida.
Quem
tem alma de artista está conectado com a alma do mundo e sente suas alegrias,
suas dores, inquietações. Escuta seu lamento... seu grito... e seus silêncios.
O
sentir-pensar do poeta pulsa indelével pelo sentir-pensar de cada ser que
nasce, depois vai se replantando em versos para não morrer aos poucos em cada
ser que fenece.
E assim
o poeta vai urdindo versos
e tecendo
a mentira
que fia
a trama da verdade
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Perdoem-nos por tanta estupidez
Aos Guaranis Kaiouá, aos índios de todas as tribos
dizimadas pela ganância e pela truculência do homem dito civilizado, que prega
o crescimento econômico a qualquer preço.
Aos índios que foram jogados à beira
das rodovias, que vivem como escravos cortando cana numa terra que antes era
deles.
Aos índios que vivem marginalizados pelas ruas e esquinas de nossa bela
cidade, tentando sobreviver de artesanato:
Perdoem-nos por tanta estupidez!
*(...) Nas esquinas invisíveis do tempo, uma criança dormita ao colo da artesã indígena, sentada sobre as pedras frias da
calçada. Dorme, menino, dorme. Tua mãe acordada embala sonhos desnutridos.
Talvez mãe e filho sonhem que ainda estão na mata, alimentando-se da alegria dos
frutos da terra, banhando-se nus nas águas pagãs e cristalinas dos riachos, como
faziam seus ancestrais. Mas, há tempos, alcançou-os a estupidez e a ambição
predadora do homem civilizado e transformou-lhes os sonhos tribais em pesadelos
urbanos. Em nome do progresso, caciques brancos devastaram a mata e poluíram os
rios. Covardemente arrancaram os filhos da selva do regaço generoso da Mãe
Natureza e os transplantaram ali, numa esquina qualquer do descaso. Dorme,
menino, dorme. Assim e apenas assim, ainda podes sonhar com os sonhos que te
roubaram. (...)* Trecho do artigo "Invisíveis esquinas do tempo", postado em agosto/2012
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Nem tão doce, nem tão limpo
Pensando neste poema de Ferreira Gullar.
Pensando na reportagem a que assisti sobre os Guaranis Kaiowá.
Pensando no branco e doce açúcar que - embora eu não use - adoça a vida e o café de tanta gente.
Pensando no combustível limpo - de que o Brasil tanto se orgulha de produzir.
Pensando que o açúcar não é tão "doce" nem o álcool é tão "limpo", quando penso que álcool e açúcar vêm de muitos canaviais cultivados em terras que antes eram a mata dos índios...
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca.
Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar
(Dentro da Noite Veloz, 1975)
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